O livro
O Teatro ao alcance do tato, que foi lançado dia 20 de Novembro as 19h no Teatro Cláudio Barradas durante o encerramento do VII Seminário de Pesquisa em Teatro, é originalmente uma tese de doutorado em Artes Cênicas, cujo o subtítulo é
Uma Poética Encravada nos Porões da Cidade de Belém do Para. Um estudo teórico fundamentado por uma prática
, articulado com um experimento cênico: o espetáculo teatral
Em Carne e Osso. O objetivo central desta pesquisa foi investigar o fazer teatral através dos processos criativos de onze espetáculos, realizados pela pesquisadora, em porões de casas na cidade de Belém do Pará entre os anos de 1990-2002, para assim, gerar um novo espetáculo onde estão presentes princípios e recorrências dessa prática, como uma estética teatral específica, particular e local.
Este estudo requereu várias ações objetivadas não isoladas, pois se apresentaram envoltas de uma permanente confluência. Os objetivos que marcaram essas ações foram: fazer uma análise cartográfica do conjunto selecionado de 11 espetáculos utilizando-se em dominância o pensamento estético filosófico de Deleuze-Guattari, especificamente a fabulação como bloco de sensações, perceptos e afectos; gerar um novo espetáculo, cujo processo de criação foi potencializado pela utilização dos princípios geradores reconhecidos nas práticas estudadas, pelos escritos reflexivos de Jerzy Grotowski no que concerne à fórmula espacial unitária e finalmente, pela imagem da casa – encontrada nos escritos de Sônia Rangel – como idéia-força na construção desta pesquisa; levar o espetáculo a público, em temporada, como requisito parcial – num diálogo com a teoria dos padrões proxêmicos de Edward Hall, fundante nesse estudo – articulando assim, o registro prático-teórico do experimento à uma tese de doutoramento; e por fim, contextualizar as motivações na recorrência desta prática também exercida por outros encenadores, através da escuta sensível de suas reflexões teórico-práticas, seus planos de composição – no mesmo período, na mesma cidade – contribuindo para o registro da história recente do teatro em Belém do Pará.
A COMPOSIÇÃO DESSE ESTUDO
O corpo da obra é composto por quatro partes: apresentação / introdução, o bloco das escavações (dois capítulos), o bloco da encarnação (dois capítulos) e os aspectos conclusivos da tese, referências e anexos.
A primeira parte compõe-se, além dessa apresentação, de uma introdução que revela, em parte, os diálogos teóricos, filosóficos e estéticos, que geraram a tese.
A segunda parte, denominada de bloco das escavações, compõe-se de um prefácio intitulado Uma Ratazana de Porão: Imagens e Memória e mais dois capítulos. O primeiro é uma cartografia que expõe a produção cênica da pesquisadora e de outros criadores, em espaços de porão, iniciando os argumentos sobre a existência, na cidade de Belém, de uma prática teatral específica, particular e local – passível de ser reconhecida ou não, como uma categoria teatral. O segundo, que completa este bloco das escavações, é uma cartografia poética dobre o trabalho da pesquisadora, como encenadora, de um conjunto de onze espetáculos montados nesses espaços da cidade. Esta análise tem como base teórica, conceitos Deleuze-Guattarianos.
A terceira parte, denominada de bloco das extrações, compõe-se de um prefácio intitulado A Casa de Minha Cena e dos terceiro e quarto capítulos da tese. O terceiro capítulo descreve e analisa o processo de criação do espetáculo Em Carne e Osso – com seus princípios e processo – e o quarto capítulo, apresenta o itinerário da atenção do espectador construído pela encenadora – neste itinerário, tanto atores quanto espectadores, são considerados seus intercessores humanos.
A quarta e última parte, compõe-se de algumas considerações finais, referências e anexos, encerrando o corpo desta obra.
REVELAR QUEM FALA E DE ONDE FALA
Em 1979, dois acontecimentos foram marcantes para a categoria teatral paraense: em janeiro é fundada a FESAT – Federação de Atores, Autores e Técnicos de Teatro e em setembro, inaugura na cidade o Teatro Experimental do Pará Waldemar Henrique. Por coincidência ou destino, em março deste mesmo ano – inscrita como aluna do Curso de Formação de Ator da Escola de Teatro da Ufpa – eu começo a fazer teatro. A FESAT, o Teatro Experimental do Pará e o Serviço de Teatro da UFPA, hoje Escola de Teatro e Dança da UFPA – ETDUFPA, todos instalados no mesmo bairro da Campina. Um pertinho do outro, o que possibilitava um tráfego intenso de informações e experiências entre os artistas da cena e os jovens alunos-atores.
Quem já estava na cena, teve com a concepção e a abertura do Teatro Waldemar Henrique, o coroamento de suas lutas e reinvidicações, todas elas organizadas pela Federação Estadual de Teatro Amador do Pará / FETAPA, precedida imediatamente pela FESAT – esta constituída exatamente para representar estes artistas junto ao poder público, mais especificamente à Secretaria Estadual de Cultura, Desportos e Turismo – SECDET1, na pessoa do Sr. Olavo Lira Maia, após uma década de manifestações, protestos e ocupações de logradouros públicos para as apresentações teatrais.
O Grupo Cena Aberta foi o maior exemplo desta organização. Ocupando durante alguns anos o Anfiteatro da Praça da República – liderado pelo então diretor do grupo, o encenador, cenógrafo e jornalista Luis Otávio Castelo Branco Barata –, este grupo manteve a pressão política sobre o Estado, garantindo a presença da produção teatral no cenário artístico da cidade de Belém, na época.
Neste clima de pleitos, manifestações e negociações, nascem não só o Teatro Waldemar Henrique e a FESAT, mas o caráter experimental de nosso fazer teatral. Digo nosso, porque todos nós que nascemos para o teatro naquele período, demos a nossa primeira respirada cênica experimentando as multiplicidades do palco, os múltiplos formatos de cena, as variadas relações entre palco-platéia, que o “Waldeco” – apelido carinhoso dado por nós, a este teatro – podia nos oferecer.
Nós, desta geração que nasceu para os anos 80, crescemos acreditando no teatro como eterna experimentação – mais que isso, na experimentação como forma de questionamento tanto da linguagem cênica quanto das políticas culturais para o teatro – desejando romper, ingenuamente, as fronteiras das convenções estabelecidas. Para isso, acreditávamos que os elementos da linguagem precisavam, constantemente, ser experimentados: a disposição do espaço cênico para flexibilização da relação atores/espectadores, a escolha dos materiais de cena, o processo de construção das obras, a exposição dos elementos cenográficos, à vista dos espectadores, os processos de criação dos atores, o reconhecimento dos espectadores como construtores de sentido, a atualização constante das temáticas dos espetáculos, a quebra da dramaturgia rigorosa, a construção de novas dramaturgias para a cena, independentes dos textos pré-escritos etc.
Por cerca de uma década, toda esta experimentação fervilhava em nossas veias e atitudes. Mas instalaram-se estados de conflitos por causa de novas políticas e dos novos homens da cultura, todos de costas para o teatro feito aqui no Pará. O Teatro Waldemar Henrique, como o grande agregador das categorias artísticas e estimulador do “novo teatro”, pereceu frente à burocracia, ao descaso e às políticas nada democráticas dos primeiros tempos.
Nós, os criadores de cena, fomos alijados daquele espaço de vida e de arte. Expulsos do paraíso, saímos todos nós, outra vez a mambembar. Porém, já contaminados por uma ética e uma estética derivadas do caráter experimental daquele útero-teatro. Uma força estava em nossas mãos e isso nos dava coragem para ouvir a voz que vinha do subterrâneo da alma. Ou seria da cidade? A voz: “Se fora possível experimentar inusitadas propostas de cena, dentro de um único espaço, porque não experimentar, cenicamente, espaços outros, para descobrí-lhes o inusitado!?” Afinal, somos filhos do Teatro Experimental do Pará.
Wlad Lima, nasceu em Belém do Pará, em 3 de dezembro de 1961. Graduada em Ciências Sociais pela União das Escolas Superiores do Pará (Unama), com mestrado e doutorado em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (PPGAC/UFBA). Atualmente, na Universidade Federal do Pará, é professora nos cursos técnicos de formação de ator e de cenógrafo, na graduaçao em dança e em teatro, na especialização em Estudos Contemporâneos do Corpo e no mestrado em Artes e Cultura do Programa de Pós-graduação em Artes PPGArtes – do Instituto de Ciências da Arte (ICA). Coordenadora do Projeto de Extensão Observatório do Teatro na Web da Etdufpa. Coordenadora do Projeto de Pesquisa Teatro da Floresta: Uma História do Teatro da Amazônia do Tempo Presente inscrita na Web pelo Grupo de Pesquisa PACA Pesquisadores em Artes Cênicas na Amazônia. Administradora da Rede Teatro da Floresta.
Fonte:
https://seminarioteatro.wordpress.com/2015/11/17/teatro-ao-alcance-do-tato-de-wlad-lima-sera-lancado-no-encerramento-do-seminario/