segunda-feira, 31 de julho de 2017

Me Engana Que Eu Gosto - RELEITURA TEATRAL - por Elder Aguiar


Imagem: Taynara PPontes


Leitura do espetáculo teatral

Me engana que eu gosto - Grupo G4.


Eu não posso iniciar meu texto sem antes agradecer ao convite respeitoso do grupo G4. Escrevi esse texto, não como uma crítica e/ou análise, mas, como uma sincera leitura de um homem que exercita o processo de ler propostas estéticas, de ler espetáculos, e desde já tomo a liberdade de poder contribuir (dentro de meu limitado conhecimento) em propostas que acredito. Lapidando dentro de minhas possibilidades, através de objetivas provocações (no melhor dos sentidos), a reflexão de um teatro pautado pela consciência do seu processo de feitura. Dirijo esse relato à todos os curiosos que assim como eu adoram desfrutar e absorver experiências teatrais e transmiti-las aos outros.
E sempre que puder, escreverei nesse espaço virtual intitulado Território de Cultura da minha companheira de cena, de palco e de vida Elizangila Dezincourt à quem dividido tudo que tenho, obrigado pela oportunidade.
Confesso que fomos (eu e minha família) ao Teatro (nesse caso me refiro ao lugar onde se vê) cheios de curiosidade, fiquei muito feliz ao ver a casa lotada como há muito tempo não via; jovens em sua maioria na faixa etária de 15 à 24 anos estavam alvoroçados à espera do início do espetáculo, o que me me fez sentir a falta de um apresentador e/ou preparador de público para o evento (o que ainda se faz necessário em Santarém).
Ao sentar-me na cadeira, iniciei minha leitura pelos acessórios deixados pelo diretor no palco, garrafas vazias no chão e em uma pequena mesa aguçaram a minha imaginação, mas, calma! O espetáculo ainda não havia começado. E não posso esquecer de que se trata de uma estreia e particularmente tenho muito respeito pelo desafio de uma primeira apresentação.
O que me chamou atenção foi o fato de ser um processo de criação coletiva, o que ainda é pouco utilizado por grupos teatrais da região. A dramaturgia do espetáculo gira em torno do personagem Kadu, um jovem e popular youtuber, (interpretado por Tarso Pinheiro), também diretor do espetáculo e aborda inúmeras questões como o mundo das redes sociais e suas relações, popularidade, compartilhamento de informações, formação de opinião, mentiras, etc, abordando também a relação do jovem com a droga, álcool, associado à internet, não esquecendo de que se trata de uma comédia, leve, beirando o pastelão, a caricatura e o estereótipo.
A história inicia quando Kadu ao “acordar” de uma ressaca, recebe um telefonema de um diretor da Globo e é convidado para realizar um teste, desesperado com o seu computador que pifou, Kadu chama o seu amigo Fred (interpretado por Márcio Freire), que por sua vez chama o seu amigo Jack, (interpretado por Erik Huang), os três vivem situações inusitadas, porém, com a chegada da youtuber Jaqueline, (interpretada por Erbeny Rodrigues), uma espécie de fã enlouquecida que coloca Kadu em maus lençóis, chegando a amarrá-lo e a abusa-lo sexualmente, nessa cena em especial senti a falta de cumplicidade entre os atores no sentido do toque (proposta cênica), mas, sua entrada na cena foi muito boa, assumindo uma personalidade caricata e estereótipada, Jaqueline (personagem de Erbeny), segurou a cena com uma interpretação enérgica, fazendo uma pequena, mais, significativa participação.
Outra cena que me chamou a atenção foi a cena do consumo das drogas, ponto alto do espetáculo, que na minha opinião deve acontecer exatamente como iniciou, apenas na intenção, que se deu com o uso da fumaça e da mudança de temperatura de cor na peça, não sendo necessário (na minha opinião) mostrar explicitamente o consumo de drogas dos três personagens (o que acontece na segunda cena do uso da maconha).
Entro na questão do acessório que compõe o “cenário” e proponho ao diretor mais funcionalidade dos elementos cenográficos, me referindo ao Cajon (instrumento de madeira, caixa acústica, colocada ao lado do sofá), que poderia ser ressignificado, entendendo que “O teatro é um universo de signos...os signos teatrais são perfeitamente funcionais” (CARDOSO, GUINSBURG, NETTO, p. 25 - 102), nesse sentido, recomendo ao diretor uma maior reflexão sobre os sistemas de signos e suas funcionalidades na proposta da peça.
Voltando a leitura da cena, quando chega o diretor (interpretado por Vinícius Vilare), para realizar o teste, achei que a cena foi um pouco longa, e acredito que ela pode ser mais condensada, porém, ressalto, mesmo atuando de forma naturalista, gostei muito do entrosamento e do jogo dos quatro atores em cena, entendendo que foi uma estreia e que esse jogo pode, deve e vai melhorar muito, pois, todos os atores tem boa presença cênica e esse item deve ser potencializado pelo diretor.
No espetáculo Kadu fala mais rápido do que pensa, o que gera certa incompreensão em alguns momentos, assim, recomendo rever esses solilóquios (momentos de reflexão) do Kadu para que o público possa acompanhar mais o raciocínio dele. Quanto à fala, percebi que o uso de microfones bi labiais pelos atores limitou de certa forma suas interpretações, chegando a atrapalhar o curso de algumas cenas o que faz pensar que um microfone multi direcional ajudaria e muito nesse caso.
Achei que mesmo para um youtuber que almeja uma carreira na TV Kadu poderia estar com um figurino mais descolado, uma camisa mais colorida, que o destacasse mais no espetáculo. Voltando às funcionalidades, gostei muito quando em uma chamada de vídeo, Kadu e seus amigos dão a entender que o mesmo estava dormindo, posicionando atrás de Kadu que estava sentado o travesseiro e o lençol, que tal procurar ressignificar mais coisas assim no espetáculo?
Enquanto espectador, pude observar em alguns momentos a quebra da quarta parede pelos atores em algumas cenas, ou seja, os atores se dirigindo diretamente ao público, feito de forma tímida, penso que uma reflexão acerca disso pode ser interessante, no sentido de se fazer essa “quebra” de forma mais consciente, aproveitando mais esse recurso.
Senti em alguns momentos do espetáculo que o tempo das piadas não estava bom, isso requer mais ensaios, ou mudanças no texto, quanto a parte musicada, particularmente me chamou a atenção quando os personagens cantam na peça culminando com o ponto alto do espetáculo quando acontece a dança que bem despojada levanta também a plateia.   
 Bem! Não vou falar do final pra não dar spoiler de teatro, mas, recomendo todos a prestigiarem esse espetáculo, e espero que sintam a mesma coisa que eu e minha família sentimos. A alegria de ver essa galera jovem, corajosa e talentosa, fazer teatro e nos proporcionar momentos de alegria e lazer cultural, com uma comédia leve e ousada como só o G4 tem. Vida longa ao Teatro! Vida longa ao G4.

Evoé!
  
Elder Aguiar - É produtor cultural na área de teatro, dança e música, amador altamente especializado em elaboração e gerenciamento de projetos culturais e acadêmico do curso de Licenciatura em Teatro da UNIFAP e agora com muita honra colaborador deste lindo blog.

Referência:

Semiologia do Teatro / organizadores J. Guinsberg, J. Teixeira Coelho Netto e Reni Chaves Cardoso. - São Paulo: Perpectiva, 2012 - (Debates; 138 / dirigida por J. Guinsberg)              

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